terça-feira, 14 de agosto de 2012

Em terras “uruguajas”

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Teatro Solís
Montevideo sempre me chamou a atenção pela escassez de comentários. Normalmente, lugares não badalados são bem originais e alheios às breguices globalizadas - claro, como tudo na vida, existem exceções em ambos os casos. Não me decepcionei. A capital uruguaia ressaltou em mim três aspectos: a simpatia sincera dos uruguaios, a originalidade nas coisas e a comida/ bebida.
Para mim, a melhor maneira de conhecer os lugares é caminhando e, nesse quesito, Montevideo é perfeita. Como tem uma topografia favorável é possível caminhar durante horas tranquilamente. Aliás, o melhor que se tem a fazer por lá é caminhar pelo centro antigo e pelos bairros adjacentes. A orla do Rio de La Plata, chamada de Rambla, é também um ótimo lugar para ser curtido à pé, são quilômetros de calçadão bem cuidado. No caso de chuva, algo bem comum no inverno, o transporte público é uma opção melhor até que o taxi. Desde o primeiro dia em que chegamos na cidade nos sentimos à vontade para caminhar e usar o ônibus. Nas poucas vezes que usamos o taxi as experiências não foram muito agradáveis. Não fomos insultados nem nada, acho que foi mais uma sensação de desconforto que não sei explicar.
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Cenas do Barrio Sur
Ficamos hospedados no simpático Barrio Sur, a uns 2km da Ciudad Vieja. Inicialmente de ônibus e em um dia chuvoso, fomos aos poucos nos familiarizando com o local. Em poucos minutos estávamos na Av. 18 de Julio, a principal do centro. Depois disso foi percorrer o centro caminhando sob uma chuva que, de tão insistente e fria, chegava a ser irritante. Para não perder tempo, aproveitamos o tempo chuvoso para procurar uma locadora de carros para uma viagem que faríamos ao interior e olhar outras coisas menos importantes. Resolvida essa questão seguimos ziguezagueando pelo centro até a parte mais antiga, que começa próximo à Plaza Independencia. Como o tempo não estava melhorando, resolvemos comprar guarda-chuvas, pois usar jaqueta impermeável e capuz por muito tempo é bem desconfortável. Em uma das primeiras vielas que entramos encontramos uma lojinha bem especial que não fotografei. No dia a chuva não permitia, mas mesmo passando depois pelo local, optei por não registrar para que ficasse apenas na memória e na curiosidade de quem não a conhece. A Casa del Paraguas, Peatonal Bacacay 1322, é uma viagem à 1940, quando a loja foi fundada. Tudo original e bem conservado desde a fachada até os móveis europeus e cartazes de propaganda. A loja pertence à família da senhora que nos atendeu, uma especialista no assunto. Nos deu todas as instruções relativas de como se portar com chuva forte, rajadas de vento nas esquinas e praças etc. No final das contas não saímos de lá com o melhor guarda-chuvas, segundo ela os alemães, mas contentes de saber que o mundo não é feito apenas de “xópis”.
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Centro de Montevideo
Um pouco mais protegidos e prontos para enfrentar os ventos laterais, seguimos debaixo de chuva até o Mercado del Puerto, construído em 1868. Acredito ter sido esse o único momento de desapontamento da visita. Por falta de informação da nossa parte, fomos pensando que se tratava de um mercado em funcionamento com tudo que se tem direito. Na verdade é um ponto turístico com lojinhas e um amontoado de restaurantes, ao meu ver, do tipo pega turista – não é atoa que é o local é o ‘top 1’ dos sites de viagem... O prédio está mal cuidado e a maneira como os restaurantes foram colocados dentro dele acabou de matá-lo. Tudo muito amontoado e excessivo ao ponto de esconder as características do prédio. Mal se vê o centenário relógio que, assim como a estrutura do prédio, veio da Inglaterra. Uma pena. Mais tarde, ficamos sabendo por uma amiga uruguaia que os montevideanos também frequentam o local. Mas, enfim, foi essa a impressão que o local me passou. A região próxima ao mercado está passando por uma requalificação urbana. Alguns prédios comerciais antigos estão sendo convertidos em apartamentos e existem algumas galerias de arte e lojas com peças decorativas com desenho de boa qualidade. Acredito que no verão deve ser um local bem badalado.
Como não nos simpatizamos com os restaurantes do mercado, continuamos nossa caminhada na Ciudad Vieja e ali perto encontramos um restaurante modesto onde acreditamos termos feito nossa melhor refeição no período em que lá estivemos. Es Mercat, calle Colón 1550. Almoçamos lá em duas ocasiões. O restaurante é pequeno e pelo que notamos é frequentado principalmente pelas pessoas que trabalham na região, onde pudemos notar vários escritórios de despachantes ligados ao porto que fica a uns dois quarteirões dali. No primeiro dia que almoçamos haviam duas pessoas trabalhando: o cozinheiro e o garçom. Além deles, havia apenas um par de clientes. Um momento interessante nesse dia foi ver um senhor entrar com uma caixa de madeira nas mãos e depois poder constatar que se tratava de um engraxate atendendo um dos dois clientes que tomava um café após o almoço. O gesto foi tão natural que acredito ser parte do cotidiano local. Mais uma vez me veio a sensação da cidade ser um museu vivo. Na segunda vez em que fomos ao Es Mercat, um domingo, o ambiente era o mesmo. Um pouco mais movimentado, mas dava para constatar que os clientes eram habitués. Nesse dia, apenas o então cozinheiro – mais para chef, trabalhava. Além do seu serviço, fazia o trabalho de garçom e caixa. Tudo sem perder o bom humor e mantendo um atendimento de dar inveja em muito lugar repleto de atendentes. O melhor disso tudo é o preço: cem Reais  para 3 adultos, por uma ótima comida – prato a la carte, sobremesa individual e vinho, inclusa a gorjeta.
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Centro de Montevideo
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Rambla
Se o Mercado del Puerto decepcionou pelo fato de não ser um mercado de fato, o mesmo não se pode dizer da feira de rua Tristan Navaja, praticamente um mercado a céu aberto. Essa feira acontece aos domingos e se estende por vários quarteirões onde é possível encontrar, se não de tudo, muita coisa. Os mais próximos a mim sabem que não sou chegado em lugares com muita gente. Dessa vez me muni de coragem e paciência e resolvi enfrentar a muvuca. Acho que foi pela curiosidade de ver o desdobramento desse espaço que, por mais que andássemos, parecia não ter fim. Um ponto de referência para encontrar a feira é a rua Dr. Tristan Najava esquina com avenida 18 de Julio. Os quarteirões mais próximos à 18 de Julio são mais voltados ao comércio de hortifrúti e alimentos. Pouco a pouco a miscelânea vai tomando conta e no miolo surgem alguns setores mais especializados em artigos como livros e revistas, móveis, tecidos, roupas, ferramentas e antiguidades em geral – de tampinha de garrafa a peça de avião. Difícil elencar. Como em todo lugar, há porcarias e os itens de boa qualidade tem seu preço. Mas, procurando, é difícil sair de lá sem algo que lhe agrade e que não custe uma fortuna. Consegui comprar por R$15,00 uma câmera fotográfica da década de 80 com um sistema em que o filme é colocado em uma espécie de disco-cartucho. A câmera é uma Kodak disc 8000 e o nome do sistema é disc film. Pra mim foi novidade. Da hora em que comprei até o momento de escrever esse parágrafo, pensei que fosse uma câmera digital com gravação em mini cd. Mas a surpresa de ser filme tornou a aquisição ainda mais interessante.
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Feira Tristan Navaja
Quando vamos em novos lugares procuramos conhecer o lado interiorano também, saber como são as coisas fora das cidades ou pontos principais. Nessa ocasião fizemos isso de duas formas: alugando um carro e de ônibus. Na primeira empreitada alugamos um carro por dois dias. Nossa intenção era visitar algumas vinícolas, colônias produtoras de queijo e procurar algum lugar interessante. No primeiro dia fomos rumo às vinícolas. Na verdade, fomos em apenas uma. Procurávamos algo fora do roteiro “ônibus carregados de turistas” e fomos sem destino certo por algumas estradas que nos haviam falado. Quando vimos uma placa indicativa de vinhedos para uma direção supostamente pouco atrativa, seguimos na direção e chegamos na bodega Casa Filgueira. Entramos na fazenda e fomos recepcionados por um dupla de cachorros gigantes, porém mansos, e um senhor bem simpático que imagino ser o administrador. Sua esposa nos mostrou com muito zelo toda a parte de produção e local onde armazenam os melhores vinhos e tal. A período de colheita é no verão, então a vinícola estava praticamente vazia. Apenas duas pessoas trabalhando no engarrafamento e outra na manutenção dos equipamentos. Compramos algumas garrafas de Tannat e, papo vai papo vem, descobrimos que os atuais proprietários da vinícola são brasileiros de Belo Horizonte que compraram a propriedade há um ano. Saindo da Casa Filgueira passamos em uma revenda da bodega Castillho Viejo e fomos em direção aos queijos. À título de informação, no Uruguai a tolerância para dirigir e beber é zero… nessa, quem vai de van e ônibus leva vantagem. Por outro lado, não tem o contato mais próximo com as pessoas da forma que tivemos, então, no final das contas, o sacrifício é válido.
Depois de rodar bastante por estradas vicinais chegamos em Nueva Helvecia, Colonia Suiza e Colonia Valdense. Por incrível que pareça não encontramos nenhum lugar específico para fazer degustação de queijos, como nas vinícolas. Por outro lado, perguntando um e outro, chegamos em uma venda local de queijos. A moça muito simpática nos ofereceu algumas fatias para experimentar e no final compramos um pedaço de um tipo parmesão, muito bom. Seguindo em frente, já voltando para Montevideo, em um golpe de vista vimos uma placa de uma residência dizendo: “quesos e fiambres”… fizemos meia volta e fomos lá. Essas situações inesperadas são sempre boas. Nessa pequena venda, na verdade um cômodo da casa, nos deparamos com outros tantos queijos e embutidos. A senhora fez questão que experimentássemos outros queijos e salames, além de um suco de laranja produzidos por eles. No final das contas compramos uma coppa, tipo de salame italiano mais curado. Não trouxemos mais com receio de confiscarem na alfândega. Nesse dia rodados aproximadamente 450 km pelo interior.
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Videira de Tannat o.O
De volta à Montevideo, seguimos no dia seguinte para o “lugar interessante”. A dica foi dada por um rapaz do posto de informação turística quando o indagamos sobre um lugar que não era turístico mas que ele, não como profissional de turismo, achava interessante. Para nossa surpresa ouvimos o nome Minas, uma cidadezinha em meio aos poucos morros que o Uruguai possui e que fica a aproximadamente 130 km ao nordeste de Montevideo. Nesse dia, debaixo de chuva forte, seguimos para Minas. Pra ser honesto, por causa da chuva, vimos pouca coisa. A cidade é bem cuidada e rodeada por morros. Em termos de paisagem parece ser muito bonita. Quem deu esse nome ao lugar deve ter vindo pelas bandas de cá. Rodamos um pouco por lá e depois de comprar alguns alfajores, hechos en Minas, seguimos para, acreditem, a badalada Punta del Este… A pequena estrada que vai de Minas à Punta del Este deve ser linda, pelo menos a moça com quem conversamos garantiu… pela topografia do terreno e o sobe e desce, deve ser muito bonita mesmo. Com chuva e neblina não foi possível constatar muita coisa, mas o pouco que vimos realmente deixou o desejo de voltar em um período sem chuva. Para nossa graça, Punta del Este – me recuso a escrever apenas Punta como seus bossais frequentadores, parecia uma cidade fantasma. Não fosse mal frequentado, seria um lugar e tanto para ser visitado no verão. O que se vê por ali é um amontoado de apartamentos e condomínios à beira mar. Especulação imobiliária na veia. Rodamos uma meia hora pela orla e, sob chuva, retornamos à Montevideo já no final da tarde. Já dirigi em vários países e posso dizer que essa foi a minha experiência mais tranquila em trânsito, seja na cidade que na estrada. Em Montevideo cheguei a rodar no horário de pico pela manhã e pela tarde, com e sem chuva. Ninguém buzina, não tem motoboy, as pessoas dão preferência e respeitam seta. Fiquei surpreso.
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Centro Montevideo - Av. 18 Julio
Uma cidadezinha bem interessante para visitar é Colonia del Sacramento, que fica aproximadamente a 180 km ao noroeste de Montevideo. A pequena cidade histórica, declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, foi disputada por anos entre portugueses e espanhóis. As vielas do bairro histórico possuem um traçado que acompanha a topografia local e destoa do traçado ortogonal da parte mais nova da cidade, cuja influência espanhola é dominante. Fruto das diferenças entre os colonizadores, o conjunto arquitetônico abriga exemplares provenientes das duas culturas e forma uma paisagem urbana rica em detalhes e surpresas. Assim como em outros locais que visitamos, os veículos e motocicletas antigas são elementos fundidos na paisagem e, no meu entendimento, deveriam ser igualmente tombados. Ainda existem residências no Barrio Histórico, mas a maioria das edificações foram convertidas em lojas, restaurantes, bares e pousadas. Como fomos de ônibus, escolhemos uma pousada no caminho entre a rodoviária e o Barrio Histórico. Dado o tamanho dessa parte da cidade, esse meio termo significa 10 minutos de caminhada em cada direção. Ao lado da rodoviária fica a estação de transporte pluvial de passageiros. Existe uma rota frequênte entre Colonia e Buenos Aires. Para quem estiver na Argentina, Colonia acaba sendo uma boa opção de passeio por esse meio.
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Típica viela do Barrio Histórico
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Barrio Histórico - Colonia del Sacramento
Uma dica para quem tem carteira de moto é alugar uma “lambretinha” para ir em lugares mais distantes do centro como a Plaza de Toros. Esse antigo local para touradas está desativado. Segundo nos informou um senhor, após sua inauguração em 1910, o complexo funcionou como espaço para touradas por apenas 2 anos, pois o governo do Uruguai proibiu as touradas ou, nas palavras do senhor: matar os animais por maldade. A construção está desabando e é proibido entrar no local. Fomos informados que há intenção de recuperá-lo para o desenvolvimento de outras atividades. Seria interessante mesmo, pois é praticamente um estádio para 10 mil pessoas.
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Plaza de Toros – Colonia del Sacramento
Restaurante e bares em Colonia são muitos. No dia em que chegamos almoçamos em um que fica bem próximo ao antigo portão da muralha que circunda parte do centro histórico. Pequeno, decoração aconchegante, comida muito boa, vinho, jazz etc., é o La Florida. É mantido por um simpático casal de argentinos e só abre para almoço. Segundos eles, estão velhos demais para trabalhar a noite e gostam de curtir a vida também. Estão certíssimos. A noite não tivemos a mesma sorte, não vou dizer que foi ruim, mas ficamos mal acostumados com tanta comida boa que o nível de exigência ficou um pouco mais elevado. Isso não quer dizer que estávamos frequentando restaurantes caros, mas que o nível dos restaurantes médios é muito bom.
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Plaza Mayor com o farol de 1857 ao fundo
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Colonia del Sacramento – aspectos gerais
A parte histórica de Colonia é bem pequena, com pouco tempo é possível visitá-la e curtir um pouco. Dormimos apenas uma noite, mas acho que duas teria sido melhor. Com um pouco mais de tempo a gente sempre consegue encontrar cantos interessantes como a taberna com degustação de queijos, cujo sugestivo nome é: Buen Suspiro, descoberta poucas horas antes de irmos embora e logo depois de termos almoçado... O lado bom é que virou um pretexto para retornar, então ficará para próxima.
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Buen Suspiro – Colonia del Sacramento

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