segunda-feira, 7 de junho de 2010

Cidade Luz ou Cidade Diversidade?

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Confesso que não fiquei muito entusiasmado com a proposta de ir para Paris. Pela abstinência de fazer uma longa caminhada ou subir um morrinho que seja, minha cabeça estava mais voltada para conhecer as montanhas rochosas de Alberta e British Columbia. Nunca pensei que sentiria tanta falta desses acidentes geográficos, inexistentes nessa parte do Canadá. Como a última palavra em uma casa é sempre do marido: “sim senhora”, fomos para terra do Obelix e companhia.
IMG_4452_GFPara mim, as imagens mais marcantes de Paris foram as chaminés (bairro Charenton-le-Pont)
Nossos consultores para assuntos parisienses foram os amigos de Niterói - RJ, Maria e Miguel. A dica principal foi a de caminhar, caminhar e caminhar, se possível perder pelas ruas da cidade. Comer baguete, queijos e aproveitar os vinhos. Seguimos à risca os conselhos e fomos, entre um museu ou monumento, nos encantando com cada detalhe do seu cotidiano. Só para constar, nossa dieta principal durante a semana foi baguete, brie, camerbert, presunto cru, um ou outro queijo que não conheciámos (mas que eram igualmente bons) e bastante vinho. Assim como eu, meu trio químico: colesterol-glicose-triglicerídeo, deve estar feliz!
IMG_4801_GFVilla Savoye (1928)
Um monumento menos turístico, pelo menos para grande maioria das pessoas, que foi incorporado à nossa lista desde o início, foi a Villa Savoye. A casa fica em Poissy, uma cidadezinha distante uns 30 km de Paris, onde é possível chegar de trem. O local é bem agradável e tranquilo, principalmente pela ausência do turismo em massa, algo que cansa muito em Paris. Vale a pena caminhar da estação até a casa, uma bela ladeira. Não leva mais que meia hora andando bem devagar e prestando atenção nas construções mais antigas, como a Notre Dame de Poissy, que está sendo restaurada no momento. A caminhada serve também para se envolver no sítio onde a villa foi construida e refletir sobre seu significado naquela época, em especial naquele pacato lugar. Ouvi muito sobre a importância da Villa Savoye no escritório do Marcel, em Porto Alegre, onde, por uns 3 anos, trabalhei e fiz minha “pré-faculdade” de arquitetura antes de ir para a escola formal.
IMG_4693_GF Paisagem típica de Poissy
Essa residência de 1928 é fruto das pesquisas do arquiteto Le Corbusier sobre os princípios fundamentais do Movimento Moderno e representa um dos primeiros edifícios da arquiteura moderna. Trata-se da única construção do século XX que faz parte dos Monumentos Nacionais da França. É uma sensação muito boa poder experimentar, com calma e tranquilidade, o espaço de algo que estudamos e ficamos imaginando como seria. Acredito que esse contato seja a coisa mais importante para um arquiteto ao visitar uma edificação ou uma cidade. Fomos no meio da manhã e foi ótimo, além de nós, havia apenas uma equipe italiana fazendo um documentário. Quando estávamos saindo chegou um bando de estudantes, que em meia hora engoliu o que levamos entre duas horas ou mais para digerir. Mais informações sobre a Villa Savoye podem ser encontrados aqui, pois não aprofundarei no assunto.
IMG_5008_GF Centro Pompidou visto a partir da catedral de Notre Dame
As andanças pelo mundo moderno de Paris nos levaram à Fundação Henri Cartier-Bresson. Essa visita foi um pouco decepcionante porque esperava ver mais detalhes sobre o trabalho desse grande fotógrafo. A amostra sobre seu trabalho era pequena, umas 10 fotografias e a primeira Leica por ele usada. Havia alguns desenhos, mas não estavam acessíveis aos meros visitantes. Até o dia 5 de julho estará exposto na galeria da fundação o trabalho Small Trades, do fotógrafo Irving Penn. Apesar disso, valeu a ida. A volta mais ainda, pois a caminhada pelo bairro Montparnasse e a passagem obrigatória (da lista da Maria e Miguel) pela rua Mouffetard e suas lojas de queijo, frutas, vinho e tantas outras coisas boas foram incorporadas à essa visita e, no final, todos sairam felizes. A vontade de comprar alguns queijos foi grande, além da originalidade e do perfume contagiante da rue Mouffetard, o preço é ótimo. Pena que a certeza de que essas preciosidades seriam confiscados na alfândega canadense nos venceu. Trouxemos apenas algumas garrafas de vinho.
IMG_5539_GFRua Mouffetard: senhor tocando um realejo e crianças dançando
IMG_5546_GF Rua Mouffetard: peixaria
Seguindo o “Guia MM de Paris”, fomos jantar com a Letícia no restaurante Chez Gladines – 30, rue des Cinq Diamants, próximo da Place d’Italie. A especialidade é comida basca. Bom, Barato e outro B, citado pelo Miguel, que não me lembro. O restaurante é bem pequeno e não fica em área turistica. A dica “mor” é chegar antes das 19:30, se passar 1 minuto o local lota e a fila de espera é grande. Como o pessoal não tem pressa para sair e eles não enxotam os clientes pra fora, vale a pena chegar mais cedo. Não lembro com detalhe os pratos, mas comemos pato, cordeiro e uma salada com foie gras frito. Os pratos são muito bem servidos, joga por terra a lenda de que prato francês vem com pouca comida.
IMG_5215_GF Chez Gladinez e a fila de espera
IMG_5475_GF Um pouco mais de chaminés (bairro Montmartre)
Outro mito derrubado, pelo menos na nossa curta experiência, foi o da antipatia dos parisienses. Não sabemos nada do idioma francês e não tivemos o menor problema com as pessoas. Mesmo os que não sabiam inglês foram prestativos e nos ajudaram naquilo que precisávamos. No final das contas conseguimos nos comunicar sem problema. A frustração maior foi a de não saber francês e poder interagir mais com as pessoas, principalmente nos mercados e comércio local, como a padaria e o bar que ficavam próximos ao nosso hotel.
IMG_5097_GF Esquina ao lado do Centro Pompidou
Título é o que não falta para Paris, outro que lhe caberia bem é o de “cidade diversidade”. Citei os cheiros da rua Mouffetard, mas há também o perfume das lojas de especiarias. A diversidade é algo provocante, seja pelas pessoas que pelo lugares. O jovem e o velho participam do mesmo mundo e assim escrevem a história da cidade em linhas que se cruzam a todo tempo. Chama muita atenção o convívio entre construções contemporâneas e as que, tempos atrás, eram vanguarda. Não fosse os mestres de outrora inovarem com as catedrais góticas, não teriamos hoje a Notre Dame de Paris como ela é. Provavelmente seria uma catedral românica, bizantina, um templo grego, ou seja lá o que fosse. O que dizer então das elegantes entradas art nouveau das estações de metrô.
IMG_5320_GFVista posterior da catedral de Notre Dame
IMG_5144_GF Vista a partir do Centro Pompidou
Assim existe espaço para Centro Pompidou, o Parque de la Villette, a Pirâmide do Louvre, o Instituto do Mundo Árabe e tantos outros edifícios de maior ou menor escala que fazem parte da paisagem e marcam o seu tempo naquele território apertado. Tem espaço também para as caixas de vidro que ficam de longe, como devem ficar, na La Defense. Ainda assim gozam de vista privilegiada e se mantém conectadas visualmente à sede da capital. Exceção ao Grande Arco, a La Defense é um mundinho a parte com sua arquitetura pasteurizada. Tudo muito limpo, visual globalizado e vitrificado, digno do insosso mundo corporativo, de certa forma repetitivo nas grandes cidades.
IMG_5376_GFAo fundo, La Defense vista do Arco do Triunfo
IMG_5291_GF Olhos biônicos da fachada do Instituto do Mundo Árabe
IMG_5742_GF Loja de especiarias e artigos diversos no bairro Le Marais
De volta aos cheiros e sabores, pode-se dizer que caminhar pelas ruas dos bairros Le Marais, Montmartre, Batignolles ou Bellevile é ter a certeza de que a cada esquina ou quateirão haverá uma surpresa. Sair do miolo da La Cité e encontrar os parisienses em seu cotidiano é algo único. Tudo aquilo que se estuda em planejamento urbano está ali, na sua cara. Prova viva de que comércio local funciona, as pessoas são mais alegres, dominam a rua e andam com a baguete debaixo do braço… por que não? Essas áreas fora do burburinho turístico e do corre-corre do centrão são ótimas para um passeio desavisado e relaxante. Como nosso tempo era relativamente curto, não deu para sentar em um dos tantos jardins instalados em vielas para pedestres, usadas para “cortar caminho” de uma rua para outra. Esse tipo de lugar combina bem com o ócio. Acredito que em uma próxima visita exploraremos mais esse tipo de prazer que é oferecido em vários lugares. Nada de museus ou exposições, apenas caminhar e morgar de olhos abertos. Alguns desses bairros tradicionais, como o Le Marais, saem completamente dessa visão bucólica. Talvez ali seja o que tem de melhor em termos de diversidade. É um sem-número de cafés, bistrôs, padarias, boates, brechós, livrarias, atêlies diversos, pequenos comércios, lambretas e gente de todo tipo. Impossível ficar com os olhos parados, muita coisa para absorver.
IMG_5445_GF Rua no bairro Le Marais
IMG_5055_GF Rua do bairro Quartier Latin
IMG_5692_GF Encontro de gerações no Parque de La Villette
Sempre que vamos a alguma cidade vem à tona o papo de que Belo Horizonte é carente de parque. Isso porque é gritante a quantidade de parque que a maioria das cidades tem e como as pessoas os usam. Com toda nossa carência, quando temos algum perto de casa, no nosso caso o Parque Ecológico da Pampulha, ele só é aberto ao público de sexta a domingo, o resto da semana fica trancado… De volta ao que interessa no momento. Em matéria de parques, vou dar destaque ao Parque de la Villette pelo seu caráter contemporâneo. Ele é o maior parque da cidade e tem incorporado edifícios voltados à ciência (Museu Cidade das Ciências e da Indústria) e à música (Cidade da Música). A Cité de la Musique é um complexo que abriga um anfiteatro, uma sala de concertos, o Museu da Música e outras atividades ligadas ao tema. Se não me engano, é também a casa da Filarmônica de Paris. A Cité des Science e de l’Industrie é outro atrativo do parque e é considerado um dos maiores museus de ciências da Europa. Com o tempo curto, não deu para visitá-los em detalhes, apenas passamos pelos edifícios como parte do passeio pelo parque.
IMG_5638_GFParque La Villette: passarelas e canal. Em vermelho, ao longo do canal, algumas folies
A área aberta do la Villette tem seu caminhos bem marcados por enormes marquises e passarelas que conduzem facilmente os visitantes em praticamente toda extensão do parque. Sua forma e possibilidades de variação no percurso instigam os caminhantes a seguirem em frente e descobrirem seus cantos e se envolverem em um ambiente cheio de surpresas, como uma parreira de uvas. Outro componente de referência no parque são os enormes marcos vermelhos, as folies, que abrigam serviços como lanchonetes e bilheterias, servem de escada de acesso à passarelas, terraços de observação e marcação de entrada dos edifícios. Nossa visita foi em um dia cinzento e um pouco frio, mas ainda assim foi possível ver bastante gente de toda idade usufruindo daquilo que lhes é de direito.
IMG_4482_GF Pirâmide do Louvre: embora seja bela, é um forninho de assar turista
Bom, sempre perguntam sobre o Museu do Louvre e a Torre Eiffel. Fizemos questão de visitá-los e não posso negar que tenha valido a pena, que nesse caso são as filas e o grande número de turistas. Como também estavamos lá aumentando a fila para os outros e atrapalhando suas fotografias, acaba sendo justo e não dá para reclamar muito. No Louvre chega a ser irritante a quantidade de gente. Impossível, pelo menos para mim, ater-se em alguma obra. Museu D’Orsay idem, embora não seja tão sufocante como o Louvre. O edifício que hoje abriga o Orsay foi uma estação ferroviária e a reforma realizada é o resultado de um primoroso projeto de arquitetura. No caso do Louvre, além das obras, o que mais me chamou atenção foi o sistema de circulação de pessoas e a impecável sinalização. Impossível ficar perdido. Em contra partida, o Museu de Artes Decorativas, sei lá quantas vezes menor que Louvre, é o caos em termos de fluxo. O museu do Centro Pompidou foi o que deu para aproveitar mais, talvez por ser menos badalado turisticamente. Ele fica ao lado do bairro Marais, ou no próprio bairro, e é um ótimo lugar para passar a tarde antes de ir para esse bairro efervescente. Dizem que Paris é cheia o ano todo. Fico pensando se o inverno não seria a melhor época para visitar com mais calma os museus mais badalados.
IMG_4490_GF Eis o interior do Louvre - peguei pesado, pois a sala da Mona Lisa é mais visitada
IMG_5366_GF Haja escada para tanta torre!
Subir a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo e as torres da Notre Dame de Paris é um passeio interessante para visualizar a cidade de cima. A vista de cima do Arco do Triunfo, apesar de ser o mais baixo, foi a que mais gostamos. Provavelmente por ser um ponto de convergência de grande avenidas e também por não ter tanta grade e tela de proteção em volta da gente, assim a sensação de liberdade é maior. O mais interessante da Torre Eiffel foi vê-la do Trocadéro ao pôr do sol. O grande terraço com vista para torre é uma miscelânea de turistas, ambulantes e locais. Percebi que é um ponto de encontro da turma de dança de rua. Mais uma vez o jovem e o velho juntos, pois no meio da galera havia um velhinho rodopiando e fazendo seus passos ao som do que, na minha ignorância musical, parecia ser um hip-hop em francês.
IMG_4685_GFAssistindo hip-hope ao pôr do sol
Bati na tecla do caminhar, mas pedalar pode ser uma ótima experiência. Como a Stelinha não é adepta dos pedais, não deu para experimentar. O sistema público de bicicletas, Vélib, é bem interessante. Em todo canto da cidade, dizem que a cada 300 metros, existe estacionamentos onde se pode “pegar” uma bicicleta (velo). Existem três modalidades de uso: diário, semanal e anual. Anual sim, porque é política pública de transporte e não um serviço turístico, embora o turista possa usá-lo. O sistema consiste na assinatura de uma das modalidades de uso e dá direito a um número ilimitado de viagens dentro da vingência da assinatura. O serviço é bem barato, para o uso diário custa 1 Euro, semanal 5 Euros e anual 29 Euros. Os primeiros 30 minutos de cada viagem é livre de taxa, acima desse tempo é cobrado uma taxa progressiva para cada 1/2 hora. As taxas acima dos 30 minutos são de 1 Euro para os primeiros 30 minutos, 2 Euros para a segunda meia hora e a partir da terceira meia hora são cobrados 4 Euros a cada 30 minutos. A idéia é garantir a rotatividade de usuários. Se pensar que em 1/2 hora dá para ir longe, não há necessidade ficar muito tempo com a bicicleta. Então, o negócio é ir trocando de bicicleta ao longo do dia respeitando o tempo de uso inicial.
IMG_5082_GF Estacionamento do sistema Vélib
IMG_4969_GF Detalhe do interior da Notre Dame
Para quem não pedala e caminha pouco, o sistema de transporte público é excelente. O melhor que já usei e que tenho notícia. A malha de metrô, trem, ônibus e bonde cobre toda cidade e sua redondeza. Nós usamos praticamente o metrô, pois preferiamos caminhar ao invés de usar o ônibus e os bondes. O trem foi necessário para ir a Poissy, aeroporto e Versalles, onde batemos com o nariz na porta por causa de uma greve surpresa dos funcionários públicos. Paris é dividida radialmente por zonas, 6 no total, e o preço dos bilhetes de transporte variam de acordo com o número de zonas que se pretende percorrer. Em função do aeroporto e de lugares mais longe que iriamos visitar, um bilhete semanal com cobertura de 5 zonas foi o ideal para o nosso caso. Optamos pelo sistema usado pelos parisienses, Passe Navigo, mas que pode ser usado por visitantes apenas na modalidade de uma semana. Sua validade é de segunda a domingo. No nosso caso foi perfeito, pois chegamos no sábado e fomos embora no domingo seguinte, assim conseguimos usá-lo na totalidade. O mais usado por turistas é o Paris Visite, que tem opções de menos dias, mas que atende somente as zonas de 1 a 3. É uma questão de fazer as contas e ver qual sistema é mais interessante.
IMG_5344_GF Mesmo com o glamour, não deixa de ser cidade grande
Para os museus e monumentos compramos o Paris Museum Pass para 4 dias. Esse bilhete dá direito a visitar um total de aproximadamente 60 locais. É também uma questão de fazer as contas e ver se o que tem na lista é o que interessa, e ver quanto sairia pra comprar os bilhetes individuais. Esse passe dos museus e o Paris Visite é vendido nos postos oficiais de informação turística: Office du Tourisme de Paris. O Navigo compramos na estação de trem do aeroporto assim que chegamos. Para ele é necessário uma foto 3x4, pois é uma carteirinha.
IMG_4916_GF Cobertura art nouveau da entrada de uma estação de metrô
Provavelmente não cobri tudo o que fizemos, como caminhar pela beira do rio Sena, mas dá para ter uma idéia do significado do nosso passeio e o que ele representou. Após o contágio, consideramos essa ida como um momento exploratório e necessário. A quantidade de nuances e lugares que precisam de mais tempo para serem aproveitados nos fazem facilmente reféns dessa cidade que, cedo ou tarde, voltaremos para visitar.
IMG_5494_GF Calmaria entre os bairros Montmartre e Batignolles
IMG_5472_GF Moinho no bairro Montmartre
IMG_4441_GF E para finalizar: mais chaminés :) (bairro Charenton-le-Pont)

3 comentários:

  1. Teste. Pessoal, tá funcionando sim. Abs, Max

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  2. Ótimo relato e fotos excelentes!
    Gostei bastante do enfoque "Paris sem turistas".
    - cheguei até aqui pela dica deixada no blog BBC à Mesa -

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  3. Oi Denir, obrigado pela visita. O blog é meio lento nas atualizações, mas sinta-se a vontade para voltar sempre. Abraço, Max

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